terça-feira, 30 de dezembro de 2008

EXCLUSIVO - ENTREVISTA COM SILVIO CUNHA PEREIRA - CAMPEÃO CATARINENSE 2008

Quando ouvi o nome de Silvio Cunha Pereira como novo campeão Catarinense, senti que ele tinha uma boa história a ser contada. Minha intuíção estava certa e a entrevista comprovou isto com sua riqueza de informações. Silvio foi muito atencioso, e ficou muito feliz e nos conceder uma entrevista. Percebemos o quanto ele ama o xadrez sobre todos os aspectos, e seu BLOG pessoal é um trabalho maravilhoso que merece ser visitado. Agradeço mais uma vez o Silvio pela atenção, pela oportunidade e pelos conselhos aqui nos dado. Santa Catarina é que tem Orgulho de tê-lo na Galeria de Campeões. Uma boa Leitura a todos e Feliz 2009!!! (Alexandre de Matos)


Silvio Cunha Pereira nasceu em 1957 na cidade de Osasco-SP , é casado com Lola Aronovich, formado em Engenharia Civil, atualmente morando em Joinville desde 1994 e é enxadrista a 35 anos de onde provem sua principal fonte de renda como jogador, treinador e professor.

1– (Xadrez Vale...) Quando começou a jogar xadrez?
(Sílvio) Aprendi a jogar xadrez em 1970, aos 13 anos, na escola, vendo alguns amigos jogarem.

2– (Xadrez Vale...)
Você joga xadrez pela Internet? Você acha que isto ajuda no desenvolvimento do jogo?
(Sílvio) Jogo intermitentemente. Acho que jogar na internet pode ser utilizado para desenvolver o jogo desde que o jogador se programe para isso. Por exemplo: testar posições de abertura e ver se funciona. Tomar nota das posições e verificar depois com livros ou programas. Verificar se está conseguindo jogar final com desenvoltura. Caso contrário, treinar esses finais. O mesmo para posições táticas. E assim por diante.

3– (Xadrez Vale...) Para chegar aonde chegou você precisou estudar muito xadrez? Como foi seu estudo e seu treinamento?
(Sílvio) Na verdade em meus primeiros anos tive pouquíssimo acesso a livros de xadrez e não tínhamos treinador. Em compensação jogava muitos torneios fortes como o Campeonato Paulista Individual e por equipes, Jogos Abertos do Interior de SP e Brasileiro Absoluto, numa época em que os torneios eram totalmente diferentes: a final do brasileiro eram 20 jogadores, todos contra todos, uma partida por dia, a cada três dias um de descanso, e as partidas eram no ritmo 2h30min/40 lances e 1h/16 lances seguintes, com suspensão de partida após 6 horas. No meu primeiro Brasileiro fiquei em sexto lugar, em 1974.
Ainda hoje não passo um só dia sem estudar algo.


4– (Xadrez Vale...)
Você teve professor de xadrez? Se teve, qual foi importância disso no seu desenvolvimento?
(Sílvio) Tínhamos em Osasco um coordenador, mas nenhum treinador. Isso fez muita falta. Porém algum dos jogadores estudava teoria e repassava o estudo para quem estivesse interessado. Por isso eu fico muito decepcionado quando vejo jovens jogadores ignorarem jogadores fortes que se propõe a repassar seu conhecimento tanto no clube quanto durante competições.

5– (Xadrez Vale...) Você leu muitos livros de xadrez? Pode citar alguns deles?
(Sílvio) Hoje eu já tenho uma biblioteca bem razoável (uns 100 livros, fora as revistas). Quando eu comecei a jogar a grande maioria dos jogadores no Brasil se iniciou com o Xadrez Básico, do Orpheu DÁgostinni.
O melhor livro que já li foi Zurich 53, de David Bronstein. Foi um super torneio em que se ia escolher o desafiante do Campeão Mundial, Botvinnik. 15 jogadores em duplo turno com todas as partidas analizadas de forma magistral e muito bem humorada por David Bronstein (2o lugar) e ganho por Smyslov. Obrigatório.
My 60 Memorable Games , R J Fischer. Assim como o livro anterior mostra as idéias principais e não kilos de variantes. Para conhecer a genialidade de um dos maiores (senão o maior) jogador de todos os tempos. De quebra uma deliciosa introdução, em cada partida, de Larry Evans. Durante muito tempo considerado um dos principais livros já escritos.
Os livros de finais de Smyslov (finais de torres), Basic Endings , de Keres, Finais, de Pachman e o muito criticado Finais Básicos de Reuben Fine. Este último merece uma palavrinha por se tratar de um gigantesco trabalho sobre finais de todos os tipos, feito numa época em que não havia computadores para checar as variantes e que foi feito num período de tempo muito curto. Tornou-se um passatempo descobrir "furos" no livro, o que não o invalida como um dos mais importantes livros sobre finais já feitos.
Os livros de Kasparov ("Meus Grandes Predecessores") fazendo uma análise extremamente crítica sobre todos os campeões mundiais anteriores a Kasparov, com suas partidas analisadas por um grupo de GM's, incluindo o próprio Kasparov e também por programas de computadores de última geração. Essa coleção teve a sua versão em português (traduzida direto do russo pelo GM G. Vescovi) considerada a melhor do mundo pelo próprio Kasparov.
Capablanca's Best Endings, é como ver um mágico trabalhar enquanto alguém vai explicando os segredos enquanto eles acontecem. Enquanto lemos esse livro à gente começa a ter dúvidas se deveríamos continuar tentando jogar xadrez. Convém ler esse antes do volume I do Kasparov.

Como podem ver me agradam muito mais os livros que tenham uma história por trás, e não somente variantes frias. Mas como são tantos é melhor parar por aqui. E não percam qualquer um do Botvinnik.

6– (Xadrez Vale...)
Quais são suas aberturas e defesas prediletas?
(Sílvio) Devido à deficiência na minha formação eu jogo poucas aberturas, particularmente a Ruy Lopes de brancas ou pretas e a Leningrado de pretas contra d4.

7– (Xadrez Vale...) Que conselho você daria aos jovens que estão começando?
(Sílvio) Como em qualquer atividade o xadrez exige estudo para quem quiser atingir um nível mais alto. Quanto mais cedo começar mais facilidades terá no futuro. Evite se dedicar exclusivamente às aberturas. Você vai ganhar várias partidas graças a elas, mas não as mais importantes. Dê a maior atenção aos finais e a partidas completas analisadas (aí você também aprenderá as aberturas).

8– (Xadrez Vale...) Quem foi o maior jogador de todos os tempos, em sua opinião?
(Sílvio) O maior jogador de todos os tempos, pelo que conseguiu, deve ter sido Kasparov. No entanto se lembrarmos que Fischer teve um desenvolvimento praticamente sozinho e tudo o que conseguiu fazer até ser campeão mundial, prefiro responder que ele foi o maior de todos. Por outro lado esses dois jogadores tiveram uma dedicação exclusiva ao longo de suas carreiras. E aí lembramos de Capablanca que, contemporâneo de Lasker e Alekhine teve como grande pecado a absoluta falta de dedicação ao estudo do xadrez o que nos leva a imaginar quais teriam sido os limites para esse gênio se tivesse a mesma dedicação de um Fischer ou um Kasparov. E minha resposta muda mais uma vez. Fico com o cubano.

9- (Xadrez Vale...)
Hoje em dia ainda é impossível falar de xadrez sem nos lembrar de Kasparov. Na sua opinião, a sua aposentadoria foi precoce, ou ele ainda tinha muito a mostrar?
(Sílvio) Como espectador e fã acho que ele nunca deveria ter parado (o mesmo para Fischer). Porém Kasparov não nos deixou órfãos. Escreveu os belíssimos "Meus Grandes Predecessores" e vários livros sobre sua própria carreira, com o mesmo ímpeto de quando jogava. Fez bem em parar no auge, já realizado, profissionalmente e profissionalmente. Assim como Pelé ou Schumacher parou para ser eterno.

10 – (Xadrez Vale...) Conte-nos um fato interessante que marcou sua vida enxadrística.
(Sílvio) Talvez o principal fato de toda a minha carreira tenha se dado logo no início, em Osasco. Eu passei a frequentar um clube, recém criado, O C. X. Capablanca de Osasco, onde se concentrava a nova geração de jogadores da cidade. Entretanto havia o clube antigo, O Clube de Xadrez de Osasco que tinha os jogadores mais antigos e que dominavam, por força da tradição o xadrez da cidade. Nenhum jogador novo conseguia vaga nas equipes que iam para os Jogos Abertos. Então, no Campeonato de Osasco de 1971, inundamos as eliminatórias com jogadores do nosso clube, classificando oito, em 12 vagas, para jogar a final em que conseguimos ocupar os 2 primeiros lugares (eu, com 13 anos em segundo e meu amigo Antonio França, um ano mais velho, em primeiro. Nesse momento quebramos as barreiras que impediam jovens talentos de conquistarem um lugar ao sol na cidade.

11– (Xadrez Vale...)
Você freqüenta ou freqüentou algum clube de xadrez?
(Sílvio) Eu frequentava o Clube de Xadrez Capablanca de Osasco, que era o que todo clube deveria ser: não só um local para se jogar, mas, principalmente, para fazer amigos. A outros clubes, como o Clube de Xadrez São Paulo, eu ia principalmente para participar de torneios.

12– (Xadrez Vale...)
Você recentemente conquistou pela primeira vez o Campeonato Catarinense Absoluto 2008 em Lages a frente de Jogadores fortes, alguns inclusive ex-campeões do Estado Como Disconzi, Marco Zaror, Charles Gauche, Haroldo e Kaiser. Como foi esta conquista pra você, e qual sua importância?
(Sílvio) Eu tenho uma vasta experiência em torneios em diversos estados e países, de Buenos Aires até Moscou, portanto enfrentar jogadores fortes não me intimida. Agora, o Campeonato Catarinense é muito forte. Alguns de seus jogadores estão ou já estiveram entre os mais fortes do país. As partidas são todas disputadas, haja vista a decisão do torneio somente nos últimos segundos da última rodada. E, para coroar, o torneio é jogado em condições espetaculares. Eu só posso me sentir honrado em pertencer à galeria de campeões de Santa Catarina.

13- (Xadrez Vale...) Qual sua melhor partida, e também sua pior partida no Torneio? (Sílvio) Sou obrigado a confessar que não joguei muito bem. A minha melhor partida talvez tenha sido com o Charles Gauche. E, não a pior, mas a mais decepcionante a contra o António Bambino, por ter jogado fora uma partida excepcional ao cometer um grave erro num final que permitiu o empate e teria sido responsável caso eu não tivesse ganhado o título. Tenho procurado comentar minhas partidas em meu blog www.allthatchess.blogspot.com. Quem tiver interesse pode ir lá dar uma olhadinha.

14- (Xadrez Vale...)
Você foi vice-campeão em 2005, nono colocado em 2006 e não disputou em 2007. Você me pareceu este ano bem preparado para o torneio, decidindo a maioria das partidas de forma curta, numa média de 30 lances. Muitas delas partidas importantes como as vitórias contra Charles Gauche e Alfeu Bueno. Você realmente se preparou mais para esta competição que nos anos anteriores?
(Sílvio) Na verdade eu morei um ano nos Estados Unidos (de agosto de 2007 a agosto de 2008) e tive uma experiência enxadrística muito rica nesse período. Como disse o Alfeu, eu superei minha maior dificuldade que era o constante apuro de tempo. Ao voltar para Santa Catarina eu joguei uma única semi-final onde não fui bem e só joguei a final por força do regulamento ter-se tornado "ligeiramente mais elástico", caso contrário eu não poderia ter jogado a final. Só posso agradecer à sensibilidade da FCX que permitiu a participação não só minha, mas de outros jogadores também.


15- (Xadrez Vale...)
Está Feliz e satisfeito pela conquista, ou ainda vamos ter Silvio Cunha lutando pelo BI ano que vem?
(Sílvio) Pode esperar os dois. Não vai agora que sou pré-classificado, que vou deixar de jogar. E, como sempre, para ganhar.

16- (Xadrez Vale...)
Como você vê hoje o Xadrez Catarinense a nível Brasileiro?
(Sílvio) Não dá pra falar sem dividir em xadrez escolar e não escolar. Pensei em algum nome, mas o que me vem é esse mesmo.
No xadrez escolar, em minha opinião, Santa Catarina sofre de um problema antigo, que é a regionalidade. Várias cidades tem um trabalho sem dúvida entre os melhores, senão o melhor do país (Blumenau, Concórdia, São Bento do Sul, Chapecó, Lages, entre outros). Porém, não sei identificar exatamente o problema, desse gigantesco celeiro de jogadores, não sai, proporcionalmente, a quantidade de talentos que deveríamos ter. Às vezes percebemos algo surgindo, mas, logo em seguida desaparecem. É como se tivessem esquecido de fazer a ponta da pirâmide. O estado certamente sofreu muito e ainda sofre com a briga entre a FCX com a CBX que impediu a realização de diversos torneios tradicionais (como o Sul-Brasileiro Escolar) no estado. Torneios esses que são uma das formas de acabar com o regionalismo que eu citei acima. Isso reflete no xadrez não escolar em que os nomes são quase sempre os mesmos, com as gratas exceções do Alfeu e dos Bambinos no masculino. E a Vanessa Feliciano e a Lauriê no Feminino que já são nomes conhecidos em todo o país (me desculpem alguns outros que me esqueci de citar, mas ainda assim são poucos). Precisamos criar condições para que eles continuem a jogar e que novos nomes apareçam. Acho que os responsáveis pelo xadrez valorizam excessivamente os Joguinhos Abertos estabelecendo um limite muito acanhado para os jovens que quando passam da idade da competição já são postos de lado ou são utilizados só para dar aulas. É preciso ampliar o horizonte dessa gente toda. A Federação Catarinense é extremamente ativa, mas precisa ainda mais da colaboração dos jogadores em geral. Ela vai dar aquilo que for pedido. E se não o for à situação, bem ou mal, tende a não representar os desejos da maioria, sem desconsiderar que os dirigentes devem estar à frente de seus associados, sem ser ditadoriais nem submissos.

17– (Xadrez Vale...)
Algum projeto para fora do Estado ou Brasil relacionado com o Xadrez?
(Sílvio) A internet ampliou bastante o campo de atuação do treinador de xadrez e eu pretendo me aprofundar nisso. No entanto o que mais me motiva é fazer um trabalho com xadrez dentro do estado. Aqui em Joinville ou em outra cidade. A possibilidade de treinar um grupo pela internet é muito atraente.

18– (Xadrez Vale...)
Oque Silvio Cunha acha sobre o Futuro do Xadrez no Brasil? Teria alguma sugestão para melhorar?
(Sílvio) O xadrez hoje já não é mais o que era quando comecei. Antes era quase que restrito a SP. Hoje temos fortes jogadores em quase todo o país. Ainda estamos muito aquém do potencial gerado pelo trabalho de base, mas a evolução é notável.

19– (Xadrez Vale...)
Quem você acha que será o próximo Campeão do Mundo?
(Sílvio) A curtíssimo prazo deve ficar entre Anand e Topalov. Em seguida deve ser a vez do Magnus Carlsen

20- (Xadrez Vale...)
Uma ultima mensagem sua!
(Sílvio) Quero agradecer a oportunidade de mostrar um pouco do que penso sobre o xadrez e espero que não tenha sido muito cansativo para quem chegou até aqui. E quem estiver interessado em me conhecer um pouco mais pode visitar o meu blog www.allthatchess.blogspot.com e quem estiver interessado em aulas (ao vivo ou pela internet) estou à disposição. Um grande abraço a todos e um feliz ano novo.

3 comentários:

Luís Cardoso disse...

Parabéns Alexandre, pela importante e exclusiva entrevista, muito rica de informações para nós que estamos querendo melhorar nosso xadrez! Muito Obrigado!
Grande Abraço!
Luis Cardoso

Anônimo disse...

NAO QUERENDO DESMERECER ESSA ENTREVISTA ALEXANDRE!
ACHO QUE VC ESQUECEU DE OLHAR A CLASSIFICAÇAO FINAL DO ESTADUAL EM LAGES, ONDE CONSTA O MEU NOME COMO VICE-CAMPEAO , E AO MESMO TEMPO . ÚNICO INVICTO DO CAMPEONATO, NA FRENTE DE MUITOS CAMPEOES, MESTRES FIDE, MESTRE INTERNACIONAL, E POR AI VAI.
ENTAO ME SINTO NA OBRIGAÇAO DE LEMBRAR AO AMIGO, QUE EU TMB FAÇO PARTE DA LISTA DE JOGADORES COM RATING FIDE DE SC. E NAO LEMBRADO POR HORA.
NO MAIS PARABENS PELO TRABALHO COM O XADREZ , E SUCESSO.

Liga Xadrez do Vale disse...

Jorge, fiquei pensando o porque do seu comentário e conclui que talvez tenha sido pela pergunta 12 o qual me refiro que o Silvio ficou a frente de "vários jogadores fortes", e tomei como critério ressaltar "ex-campeões do estado" pois foi isto que me inspirou naquele momento ao formular a pergunta. Eu poderia mencionar todos os 19 jogadores que ficaram atrás do Silvio, pois todos eram fortes e mereciam estar ali, tendo rating FIDE ou não. Mais dai a pergunta ficaria muito extensa. Reconheço que talvez tenha faltando sensibilidade na minha pergunta, de qualquer forma o link com o resultado e classificação estavam e continuam presentes no blog para quem quizer conferir todo os participantes e respectivas colocações. Jorge o projeto de entrevistas no nosso blog, surgiu com a idéia de aproximar mais os jogadores locais com uma elite que a muitos anos já trabalha e desenvolve xadrez em SC principalmente no Norte e Oeste. Contar um pouco da história de alguns grandes jogadores. Nossa região aqui é carente disso, desse intercâmbio e conhecimento de quem são essas pessoas importantes que fazem do nosso xadrez, um dos melhores do Pais. Então, isto que começou com o Silvio, não deverá terminar por aqui. Já entrei em contato com outros que me deram sinal positivo para uma entrevista e outros que se negaram. Eu, com o tempo pretendo continuar com este trabalho. Com Certeza Jorge, tu estás na minha lista, mas por termos ainda pouco contato virtual, ainda não lhe tinha feito este convite, mas que fica já registrado aqui o meu pedido para que possamos conhecer melhor o jogador que és, e o trabalho importante que já fizeste em várias cidades de SC e que agora vens fazendo em Tubarão. Sucesso para o amigo também. (ass: Alexandre de Matos)